Não fisicamente, ou intencionalmente.
Eu não te disse? Cada dia mais acho que estou enlouquecendo.
Você sabe dos meus problemas para dormir, pois bem, no começo da noite tomei aqueles remédios que me causam ausência de sonhos, mas um sono tranquilo. Engoli os compridos com meia taça de vinho branco seco e deitei. Devo ter adormecido, não sei.
Só sei que acordei no meio da madrugada, com os olhos repletos de lágrimas desconhecidas e o coração querendo ser esmagado, arrancado do peito.
Acordei e você tinha voltado.
Estava ali, sentado na beira da minha cama como assombração invocada. Como alma penada bem quista aos olhos de quem ficou e não superou o luto da partida.
Não me assustei.
Talvez porque no fundo eu saiba que não, isso não é possível.
Ou talvez, seja o maldito remédio fundindo com o vinho.
Enfim não me assustei com seus olhos me olhando dormir.
Somente levantei o corpo e te olhei. Te olhei procurando decorar os traços dos quais já estava me esquecendo, buscando de novo o cheiro forte do perfume que impregnava meus travesseiros até pouco tempo atrás.
Te admirei da forma mais pura que consegui.
E senti saudade.
Senti uma saudade tão absurda que me doeu o corpo, talvez a alma.
Doeu como se de mim tivessem arrancado algo, o que não está totalmente incorreto.
A falta que sinto de ti é uma falta nova.
Não dessas manjadas de cinema que fazem sofrer apenas.
A minha falta, é falta que atinge a alma. Que ensurdece os sonhos. Paralisa os movimentos. Deixa inquieto o coração. Falha as memórias. Enlouquece a mente sábia e confunde a própria confusão.
Minha falta de você não é falta do corpo, do sexo, da carne.
É mais que isso.
É falta sentimental. Falta da voz, do toque... Da falsa preocupação.
A minha saudade, não se contenta com as vozes gritando os erros. Não ameniza com os demônios internos escrachando as fraturas expostas que você causou. Nem se quer se dá por findada com a realidade a espancando e lhe fazendo ver com olhos arregalados que é mais forte do que os sonhos. Minha saudade não se dá por vencida, é orgulhosa como quase tudo em mim.
Ela insiste em agredir a alma, em pedir de volta.
Se recusa a ouvir a verdade.
A minha saudade te mantém vivo. Te mantém sendo amado, quando tudo em mim implora por odiá-lo. Ela te faz santo, quando até os mais pecadores sabem que perto de você, são anjos de candura.
Te faz ser mais, quando você é muito menos.
Te ergue da lama de onde você se desenterrou. E me enterra em seu lugar.
Minha saudade tem vontade própria e se faz carrasca da minha carne. Cutucando diariamente as dores que já não aguento sentir. Imprimindo em mim as marcas que por prazer você deixou.
Pisco duas vezes e você sorri.
Como se entendesse meus pensamentos que digladiam entre o céu e o inferno interno.
Sorri como quem não sabe a dor que causou, como quem nem se quer partiu.
Sorri com o sorriso mais reconfortante da terra e quase me faz esquecer que és tudo, menos o reconforto que preciso.
Sorri como se fosse ainda, quem me chama de amor.
Volta a ser por poucos instantes uma segurança na corda bamba, um abraço esperado, um sorriso tão amado.
Volta a ser o homem que me conquistou pela segurança que dizia poder me dar, pelo amor que fingiu poder ter, pela proteção, cuidado e carinho que falsamente dizia se dispôr a dar-me.
Volta a ser minha paixão, meu coração acelerado, minha mente confusa, meus choros de medo e minha vontade de ser alguém o suficiente pra te fazer me amar.
Sorri pra mim, sendo ainda aquele que a falta gritava pela presença.
E eu digo, com todas as letras: sinto sua falta.
Uma lágrima, já acompanhando outra denuncia por mim o quanto é verdadeira a saudade insuportável e quase demente que eu sinto pelo meu corpo todo quando te vejo aqui sendo ainda quem nunca foi.
Meu choro é um grito de socorro.
É um pedido pra que não, não voltes mais.
Para que seja apenas, e somente apenas o que é. Não passando de uma farsa mal contada, um erro no percurso, uma praga na colheita, um amor encenado.
É uma carta que te implora, de uma vez por todas, que não sejas mais meu amor, nem minha saudade, tão pouco minha assombração e se torne aos meus olhos o verdadeiro monstro que me destruiu, me humilhou e me deixou sozinha com as âncoras pesadas dos erros que cometeu.
Meu choro nada mais é do que meu obsecrar por fim a dor que causaste sem pretensão alguma de curar as feridas.
É meu último grito.
Meu último pedido.
Minha forma mais plena de te dizer que te amo, mas preciso enxergar quem és pra já não te amar.
Para te enterrar. Te esquecer. Te desertar do trono.
É minha maneira, mais inocente de admitir que meu amor de girassóis se tornou um frágil vaso de cristal, com rosas mortas a apodrecer na imensidão do tempo, amargor dos erros e peso das escolhas.
É por fim, meu lado moleque a rogar de joelhos no chão para entender que quem eras, nunca de verdade foi. Que cometeste um erro ao colocar um "eu te amo" tão falso boca a fora. Que és somente, um lixo. Um homem sem caráter que se esconde dos erros e não os assume, piorando-os quando grita aos sete mares, que sou eu quem confundiu uma amizade com amor. Que nunca deitou na cama que eu deito noite após noite e não cometeu o pecado do adultério quando o fez, conscientemente.
Que piora a minha dor, por tê-la causado e em nenhum momento ter se arrependido do que fez.
É por fim, meu lado moleque a rogar pelo esquecimento de quem não merece nem se quer a lembrança de ser o peso desnecessário que carrego no peito, na vida e na alma.
Pisco novamente, entre soluços e você desaparece.
No meio desta madrugada desaparece como quem ainda é aquele que eu deveria odiar com todas as forças, mas só consigo amar, amar e amar.
E eu oro, com toda força que me sobrou para tirá-lo do peito. Para sobreviver. Respirar fora do maremoto que causou.
Oro pedindo que assim como virou as costas quando eu precisei, vire fumaça agora que já não preciso e me deixe ir em frente, porque afinal, mesmo vendo assombrações como você e sabendo que para seu desgosto eterno, desgosto este que me guarda no seu esquecimento...
Eu ainda não morri.